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«Casa de Lava»: Quando Pedro Costa Quase Se Reduziu a Cinzas

Se em O Sangue (1989) assistimos à revelação de Pedro Costa como cineasta de um panorama cinematográfico nacional que desgarra-se calculadamente dos traços do Cinema Novo, era de esperar que Casa de Lava (1994) fosse a sua reafirmação. Porém, se por um lado esta sua obra revela e redefine as características que tornaram Costa no conceituado realizador dos dias de hoje, é verdade que é em Casa de Lava que assistimos o seu descoberto fraudulento, evidenciando talento e ao mesmo tempo inexperiência nessa sua perspectiva artística. Enquanto em O Sangue, a vitalidade da intriga encontrava-se num rio, em Casa de Lava, esta está indiciada num vulcão, elemento invisível, mas igualmente presente. Como as suas consequências, o cenário é uma região árida por terras magmáticas que impedem o surgimento de nova vida, embora desta não estejaisente.

Talvez esta ilha (Ilha de Fogo, o filme começa com imagens da erupção daquele vulcão filmada por Orlando Ribeiro em 1954) seja o vetor dramático deste novo Casablanca, onde novamente Lisboa é tido como o refúgio digno de alcançar (mais precisamente Sacavém como o derradeiro Paraíso). Enquanto isso, esta ilha de fogo consumado é a terra da música melancólica, agradada pelos vivos, mas ouvida pelos mortos, sendo que os moribundos, os “zombies” sem vodu, se manifestam numa eterna guerra entre a vida e a morte. É um local de desespero, de esperanças há muito vencidas pelo tempo “congelado”. Inês de Medeiros, novamente peão das jornadas sugeridas por Pedro Costa, resulta no seu novo “ventríloquo”, enquanto que Pedro Hestnes (que está para Costa, como Denis Lavant está para Leos Carax), fluente em crioulo, é o seu contra-veneno. Mas em Casa de Lava sentimos o desapontamento, sentimento esse, derivado da renegação do autor à arte do storytelling.

O paradoxismo dos diálogos, algo que já havia sido notado em O Sangue, mas que fora fincado nesta nova jornada, e a narrativa que se perde nos impasses, esses mesmos em consequência dos devaneios artísticos impostos por Costa, ou talvez o pouco rigor com que consegue abordar o seu redor com lucidez. O cineasta parece ter adoptado o registo já formatado no círculo de autores cinematográficos de Portugal, a recusa pela matriz académica da narrativa e a entrega pela narrativa visual (a aversão dos “autores” a esses factores deriva da formalização modelizada dos produtos televisivos ou produções hollywoodescas). Se bem que esse factor inúmeras vezes é detido como um disfarce, uma maneira de ocultar a inexperiência do cineasta em conduzir o seu enredo ou implementar as suas mensagens inerentes, em Pedro Costa notamos essa inexperiência em erguer um “Golias”, mas nunca incompetência. Porém, revela mais fraquezas que aptidões.

Segundo os textos da Cinemateca-Portuguesa, Casa de Lava é um trabalho de estudo para o filme seguinte, Ossos (1997), e talvez por isso um estudo estilístico e de complexidades narrativas quer visuais quer linguísticas. Contudo, desperdiçou-se aqui um eventual grande filme.