Sexta-feira, 29 Março

Parque Jurássico (1993): o início da aventura

 

Com a estreia de Mundo Jurássico, o C7nema faz uma visita ao primeiro filme da franquia. Estamos em 1993, o ano em que Steven Spielberg iria ser saudado com o Oscar de Melhor Realizador pelo seu drama ambientado na Segunda Guerra Mundial, A Lista de Schindler. Seria também em que devolveria ao mundo, uma aventura tão própria da sua essência enquanto “realizador de massas”.

Ao adaptar o homónimo livro de Michael Crichton, Spielberg recuperou uma retrospetiva das suas anteriores fórmulas de êxito. Estas vão desde o espírito aventureiro do seu Indiana Jones à reafirmação dos valores familiares contidos em ET (1982) e o confronto com as “forças da natureza” em Tubarão (1975), assim como o perigo iminente e todos os tiques hitchcockianos de Duel: Assassino pelas Costas (1971).

Parque Jurássico é a confirmação de quanto Spielberg pode ser um autor, mesmo que o seu conceito de cinema esteja longe do formalismo autoral. Aliás, o “pai” do conceito blockbuster demonstra a sua garra em requisitar uma obra que funde fantasias jubilantes dignas de “sonhos de criança” com a astúcia e a credibilidade dos melhores contos de ficção científica.

A ressurreição dos extintos dinossauros faz-se por uma teoria que pormenorizadamente cientifica seria um absurdo completo, mas enquadrado nesta aventura cinematográfica flui simbiótica com a credibilidade na mente dos seus espectadores. A febre dos dinossauros tem o seu hino cinematográfico uma revisão dos “episódios” primordiais do cinema fantástico / terror como The Lost World, de Harry O. Hoyt (1925, baseado num romance de Arthur Conan Doyle), ou até King Kong, de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack (veja-se a referência do gigantesco e icónico portão que não é esquecida pelas suas personagens). 

TOQUES DIVINOS E FIGURAS PATERNAS

A ilha fictícia Neblar é o palco perfeito para o último reduto destas bestas pré-históricas, inseridas nos desejos megalómanos de um excêntrico magnata (Richard Attenborough) em construir um parque turístico, o único no mundo. Mas os sonhos transformam-se em pesadelo tal como qualquer incursão de H.G. Wells (nomeadamente A Ilha do Dr. Moreau), as aspirações aos toques divinos que o Homem anseia são entradas diretas para verdadeiras “caixas de Pandora” (a ciência é novamente vista como um mau vaticínio).

Nunca os dinossauros tiveram tanto impacto no cinema como tiveram nesta visão de Spielberg, e nunca uma aventura no inicio dos anos 90 funcionou tão ricamente plena, e assustadora também (nota-se pela primeira aparição do T-Rex). O realizador sabe exatamente onde apostar para fincar esse espírito, nesse caso acentuar o óbvio nos diversos percursos da aventura, os lugares-comuns estabelecidos estampam-se como obstáculos para a maior de todas as jornadas.

É que, para além do parque e dos animais, no pano de fundo esconde-se um encontro aos elos paternais. Sam Neil é esse “pai adoptivo”, uma figura central não só para Parque Jurássico, como para toda a filmografia do cineasta, a busca interminável pela responsabilidade em selar os elos afetivos, principalmente na reconciliação da figura paternal. O ator corresponde na perfeição a esses desafios proclamados, mesmo que Steven Spielberg construa por vias desta vertente uma ingenuidade que trespassa o ecrã. 

 O maniqueísmo evidente que se articula como uma fuga possível às profundidades que se poderia extrair neste “sumo”, é que o filme nos revela milagres da natureza mas expõe como um olhar aos limites da mesma, do egocentrismo humano e as suas claras aspirações, o de criar vida. Desde os tempos antigos, o Homem procurou igualar “os feitos de Deus”, sendo a Ciência a “porta” para tais devaneios. Mas o maniqueísmo acentuado na obra anula qualquer filosofia no campo e aposta em morais simples e de carácter de punição divina, afinal a ganância é um problema crónico nos humanos. “Life find a way“, declara Jeff Goldblum de modo erudito aos feitos vislumbrados neste parque de dinossauros.

Porém, uma coisa é certa: mesmo passados 20 anos, Parque Jurássico continua a fascinar com a sua astúcia, o seu ritmo e até mesmo a qualidade dos efeitos visuais, que demonstram mais rigor que muitas das produções atuais, abundantes deste frenesim tecnológico.

Cinematograficamente é um mimo, um estatuto que poucos blockbusters dos anos 90 conseguem deter atualmente (na sua época de estreia arrecadou uns impressionantes 900 milhões de dólares em todo o mundo). Até chegamos ao ponto de perdoar as discordâncias nas características das respectivas estrelas do Jurássico e do Cretáceo, existentes no âmbito do espetáculo que Steven Spielberg concretizou.

FILME VS. CIÊNCIA 

Apesar do êxito, a obra de Steven Spielberg foi deveras criticada pela forma como expunha as suas espécies pré-históricas. Segundo vários paleontólogos o filme poderá ter induzido algumas ideias sobre os dinossauros inexistentes em provadas teorias científicas. Eis alguns factos presentes na obra que não correspondem ao real.

* No inicio do filme é nos demonstrado uma escavação, onde o professor Alan Grant (Sam Neil) encontra ossadas pertencentes a um dinossauro da espécie velociraptor. Segundo o filme, todo este cenário é situado no estado Montana, EUA, sendo que as verdadeiras ossadas de velociraptor apenas foram descobertas no deserto Gobi, da Mongólia. Como tal é improvável que tal animal existisse nos EUA. Outro aspeto que entra em desacordo com o filme é a sua aparência. O verdadeiro velociraptor atingia 2 metros de comprimento e dificilmente ultrapassava um metro de altura. O velociraptor do filme tem um porte bem maior, provavelmente uma altura de 2 metros, e possui um corpo isento de penas, ao contrário do verdadeiro que teoricamente se assemelharia a um peru com garras. Acredita-se que estes velociraptores, antagonistas, foram modelados de outra espécie de raptor, o Deinonychus, esse sim, existente na região que hoje forma os EUA e com tamanho correspondente.

* Muito se discute sobre a verdadeira natureza do T-Rex. Apesar de ser habitualmente visto e retratado como uma verdadeira máquina de matar, alguns paleontólogos acreditam que o “rei dos dinossauros” foi somente um necrófago. Tal como os abutres, o T-Rex não caçaria mas alimentaria-se de animais mortos e carcaças em avançado estado de decomposição. Tal teoria advém de três aspetos; a mandíbula forte, capaz de esmagar ossos, os membros anteriores demasiado minúsculos, impossibilitando o animal de agarrar as suas presas, e as patas posteriores, cujas proporções ósseas o limitavam de correr. Trata-se de uma imagem estranha que muitos continuam a negar, mas cada vez mais se tem tornado numa possibilidade inegável.

* Existe em Jurassic Park um curioso dinossauro que protagoniza uma das sequências mais assustadoras de todo o filme. Quando a personagem de Wayne Knight (Dennis Nedry) tenta escapar da ilha Neblar, ele é atacado por um dinossauro de crista que abre uma gola e cospe veneno. Trata-se do Dilophosaurus, um dos primeiros dinossauros carnívoros que pisaram a Terra. Era característico por ter uma dupla crista na cabeça, mas que tivesse veneno e golas é algo que ainda não foi provado.

Notícias