Sábado, 20 Abril

Em Reposição – Carax e As Duas Primeiras Obras

A propósito dos trinta anos desde a estreia do primeiro filme de Leos Carax, foi tomada a iniciativa pela Medeia Filmes na restauração dos seus dois primeiros trabalhos. Um gesto que nos dá a conhecer um pouco melhor a carreira de um artesão e visionário cujo estatuto de culto tornou-o num dos mais fortes símbolos do cinema francês contemporâneo.

“Os Solitários Que Nunca Estão Sós”

Os temas de amor e alienação da carreira do realizador estão presentes desde o seu filme de estreia, Boy Meets Girl (Paixões Cruzadas, 1984). Aqui, um realizador (Denis Lavant) conhece uma dançarina e atriz com tendências suicidas (Mireille Perrier). Ambos têm em comum o abandono pelos seus parceiros e, por uma noite, é-nos apresentado um romance possível que poderia ter-se vindo a concretizar, após o encontro melancólico de ambos.

Contado num preto-e-branco dramático e violento, foi realizado quando o cineasta tinha apenas vinte e quatro anos, de forma matura e vagamente cinéfila. As feridas do passado destroem os sonhos futuros na vida presente, parece Carax dizer neste seu monólogo apaixonante sobre o teatro afetivo que todos os amantes sofrem.

De notar a cena numa festa dantesca que deve tudo a Pedro, o Louco de Godard com a personagem de um velho operador de câmara surdo-mudo a “falar” dos jovens e do cinema.

“Um Amor Que Arde Depressa, Mas Que Dura”

Mauvais Sang (Má Raça, 1986) passa-se no futuro Parisiense, com a epidemia de um vírus que infeta as pessoas que fazem amor sem sentimento, levando-as ao suicídio. Um rufia adolescente (Lavant, outra vez) é contratado por um mafioso (Michel Piccoli) para recolher uma das culturas armazenadas num laboratório, apaixonando-se pela namorada deste último (Juliette Binoche).

Um estilo vivo e vertiginoso (que bem define o realizador), com os ângulos de câmara mais improváveis e inteligentes. É a penumbra em que os atores são colocados, a focagem e alguns dos melhores travellings que alguma vez se viram, um deles acompanhado pelo Modern Love de David Bowie, enquanto Lavant mutila-se numa correria para o vazio. Nada passa ao lado do espetador, quer tenha conhecimento ou não da linguagem cinematográfica comum.

E então? E então são as cores invernais com um vermelho, amarelo e azul ocasional a contrastar nas personagens. Um equilíbrio perfeito e funcional entre o estilo e o conteúdo (que é como quem diz, tem muito de ambos), colocando Piccoli, Lavant e Binoche num triângulo amoroso improvável, com diálogos poéticos e alternados sobre o amor e a vida, que ecoa o espírito da Nouvelle Vague. É o Alphaville, o Acossado e o Viver a Sua Vida numa só jogada. E, parecendo que não, é um enorme feito para um cineasta numa segunda obra.

 

O melhor: A intemporalidade de dois trabalhos ricos.

O pior: O ter-se esperado até Holy Motors para Carax recuperar a aclamação perdida depois do seu segundo filme.

 

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